Publicado no DC em junho/2007.
Entendo que a Literatura como arte manifesta através da linguagem verbal é um instrumento capaz de recriar a realidade e estimular o ato de pensar, intrínseco à propriedade humana.
Como arte, a Literatura se configura como um objeto cultural e social. Não existe literatura isolada do contexto social, ela sempre reflete a realidade histórica e/ou geográfica de uma cultura num determinado espaço/tempo. O escritor interpreta uma realidade em seus aspectos concretos e subjetivos e através de seu estilo e habilidades de expressão escrita, transporta a imagem desta realidade para uma obra literária.
Embora o ato de escrever seja de cunho estritamente individual e particular no que concerne à expressão da subjetividade, estilo e ideologia do autor, a obra que ele produz se reveste de cunho social pelas inúmeras vozes que se manifestam através do escritor. Neste sentido, a obra é o ponto de encontro e cruzamento das vozes externas (o contexto, o outro) com a voz interna (subjetividade do autor).
Digo encontro e cruzamento, pois estas vozes jamais se fundem. Podem assemelhar-se, quando então se confundem entre si. Podem integrar-se, seguindo juntas, paralelas, cada qual na sua essência, numa relação ora em conflito ora em harmonia. Se são iguais, não são duas, mas uma só, não podendo fundir-se algo em si mesmo. Se houver assimilação de uma em detrimento de outra, esta deixará de existir, absorvida pela mais forte. O único caso em que se poderia supor uma fusão seria quando se entrelaçam, aparando as diferenças e somando as identidades, mas aí já não serão mais duas, mas uma e terceira voz.
Desta forma, o ato de escrever é individual, particular, singular e uno, pois é o momento em que este encontro de vozes acontece e o autor decide e define de que forma este cruzamento será transmitido ao leitor. É quando ele interpreta as vozes que se cruzam fazendo surgir desse emaranhado, a sua obra, a voz da obra literária.
Analisando a Literatura como produto cultural, cito dois aspectos importantes a considerar: o investimento dos poderes públicos e a valorização da cultura literária pela sociedade.
Quanto ao primeiro, investir na Literatura é estar investindo em educação. A escrita é um dos mais importantes instrumentos de aprendizado e na Literatura ela se reveste de uma modalidade artística; ela é em si mesma, uma expressão de cultura. Então, considero de suma importância que os investimentos públicos sejam distribuídos equitativamente, não priorizando uma modalidade cultural em detrimento de outra, mais especificamente, em prejuízo da Literatura, tão somente porque as demais possuem maior apreciação social. Investir de acordo com as tendências sociais é submeter-se à lógica de um mercado consumista. E a Literatura nunca foi nem jamais deverá ser rebaixada a isso, nem mesmo aceitar as regras da massiva bitolação que este mercado busca incutir; senão deverá ela mesma estipular a cultura a que o mercado deve obedecer. Pois, sem o texto literário não há letra de samba, não há dramaturgia, não há cinema, não há desenvolvimento da expressão verbal, nossa mais destacada forma de comunicação humana. Pode-se mesmo afirmar que o pensamento do ser humano se estrutura em palavras, pois são estas que definem as relações entre os objetos e as imagens. Tanto é que a criança torna-se capaz de compreender o mundo no momento em que começa a desenvolver a linguagem; tal qual a humanidade começou a produzir cultura histórica conforme desenvolveu sua comunicação verbal.
Investir na literatura não significa apenas fornecer uma verba, mas mobilizar os vários segmentos sociais para divulgar, promover e apoiar as iniciativas do setor literário que contemplam a produção local e nacional. Investir na cultura literária é propiciar um espaço aberto e convidativo, bem situado e ambientado, com pessoas dispostas a atender com cortesia ao público, onde o povo possa buscar orientações, elo de contatos e apoio em suas obras ou simplesmente para tomar conhecimento e apreciar o que é produzido ali em derredor. Pois , tão importante como conseguir apoio financeiro para publicar uma obra é obter orientações no processo de produção e apoio na divulgação da mesma.
Outro aspecto, o da valorização da literatura, está muito relacionado à formação da cultura literária e, nas escolas diz respeito ao desenvolvimento de talentos e apreciação literários. Mas, para isso, creio que se faz necessário, em primeiro lugar o desenvolvimento de bons leitores. Não se aprende a escrever sem saber ler, mas sabendo ler bem, para escrever basta ter o que dizer, a quem dizer e vontade de dizer. O “como” dizer/escrever é o que se pode e deve aprender e lapidar depois.
Sem leitores, o escritor não encontra eco para sua obra, logo, torna-se sem sentido o ato de escrever, pois quem escreve, escreve algo para ser lido por alguém, ou seja, o escritor só se realiza no encontro de sua obra com o leitor. E creio que a maior dificuldade atualmente do setor literário é esta: a de divulgar e conseguir fazer sua produção chegar ao destino, ou seja, fazer as obras serem lidas, fruídas pela população. Posto isso, se escreve, se aprimora com o exercício e se cultiva o talento da escrita literária que brota espontaneamente.
Neste aspecto, parece-me que algumas teorias pedagógicas têm andado meio na contramão, preconizando tanto ou mais o incentivo da escrita quanto a leitura. E se cria a falsa idéia de que todos têm de escrever, todos são capazes de produzir obras fantásticas que, por outro lado, também serão lidas e apreciadas por todos. Ledo engano! Aí tem-se esta realidade onde muitos querem escrever sem ter o que dizer, onde muitos querem “ser lidos” sem ler, onde muitos querem ser apreciados sem ter desenvolvido a capacidade de apreciar para saber como qualificar a apresentação do conteúdo que possuem. Mais leitura e mais análise de texto, mais gramática e mais conteúdo geral é o que se faz necessário para uma produção literária melhor, apreciação literária mais ampla e um consequente fomento ao enriquecimento cultural da sociedade em aspectos gerais.
Nélsinês
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