terça-feira, 4 de outubro de 2011

Texto de Adilar Signori, premiado no IV Concurso da FECI

      O retrato dos meus pais   
         Na privacidade do meu dormitório, estou deitado no leito. Contemplo para o alto e permaneço admirando na parede, dependurado, um retrato. Afinal, que tanta importância teria isto para mim? Ah! Esta relevância é por ser a fotografia dos meus pais. O retrato deles, em uma moldura dourada, provoca uma tremenda nostalgia e me fascina diariamente.
         Olho para a foto. Olho para a intensidade dos seus rostos. Observo os detalhes da indumentária. Comento, para comigo, como aparecem bem na imagem. O que a memória ama fica para sempre. O que não pode ser fotografado é o seu íntimo mas, é claro, isto transparece para mim nas suas fisionomias. A lembrança não deixa esquecer-se das suas qualidades...
         O pai Alexandre, envergando uma camisa branca, terno preto, gravata marrom, combinações daquela época. Os cabelos pretos e lisos penteados para trás. O rosto brando e alongado. A suavidade da sua boca pequena e o brilho dos olhos castanhos. Homem íntegro, sóbrio e de bom coração. Tímido e sério por natureza. Era fechado em si, conversava com pessoas em quem tinha confiança. Amigo dos seus amigos. Em nossas peraltices, o olhar de reprovação era o suficiente para obedecermos. Com pouco estudo, era autodidata, sendo comerciante de sucesso. Era um homem de boa paz, sendo marcante sua personalidade.
        A mãe Leonora, trajando um lindo vestido marrom decote “v”, adornado com um broche, na foto que é de meio-corpo. Cabelo preto ondulado e penteado vistoso para o lado. Os óculos com armação de cor clara. O semblante meigo e arredondado. A sua boca com os lábios carnudos. A visão brilhante dos seus olhos castanhos esverdeados. Era uma mulher bonita e impulsiva. Tinha muita garra. Era trabalhadora e criativa. Apegada aos filhos, não media esforços para que nada lhes faltasse. Dialogava muitíssimo com os mesmos. Observadora, sensível e até por isto adorava contar histórias. O seu temperamento era intenso.
        Pode-se considerar que normalmente, quando vemos uma obra de arte, quer seja, um quadro de pintor ou uma fotografia, ao apreciarmos, podemos cogitar que exista uma história por detrás. Foi isto que ocorreu comigo, num dia chuvoso e propício para rememorar o que estava armazenado no baú do tempo.  Por vezes uma atitude desta parece sem interesse, todavia em outras vezes o desenrolar pode ser uma história fascinante.
      Abro uma caixa de papelão e, por não estarem em álbuns, espalho as velhas fotografias e vejo-as por longos minutos. Entre tantas fotos amarelecidas, posso perceber em cada uma um pedaço de uma história. Repentinamente paro em um destes instantâneos. Era uma foto onde o pessoal estava sentado à mesa, os seis filhos ao redor, durante um almoço festivo. Constato que ao fundo aparece um quadro. Sim! Era este, que por anos não o tinha mais avistado. Onde estaria o retrato dos meus pais? Costumes de um período em que toda a família possuía uma moldura com foto dos pais. Certamente a causa foi a mudança de residência e, após algumas averiguações, localizei o retrato guardado por um dos familiares.
          A moldura envernizada estava envelhecida com cupins e a foto, tomada por dezenas de traças. Uma cena tristonha. No momento refleti que não seria válido ficar com aquela figura para o restante de nossas vidas. Com as novas tecnologias, especialmente a digital, não foi difícil localizar uma empresa especializada em restaurações. Para mim era uma relíquia, por manter vivas as ternas lembranças.
        Hoje em dia, tenho tempo para deter-me e apreciar a fotografia totalmente reparada com perfeição. Uma bela moldura dourada que envolve o retrato antigo. Fico no quarto, com o silêncio e a saudade ao meu lado. A figura dos genitores, a vida, a alma e os sentimentos me fazem reviver o passado nas suas companhias. São recordações valiosas que a gente guarda no peito. Trago a necessidade de revelar e sentir felicidade. Não resisto a uma emoção. É uma imagem da gente porque, olhando o retrato dos meus pais, vi o meu...

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